ESTRELA NOVA CELA
A falta de prática social de um jogo pode levá-lo ao esquecimento. Essa frase se encaixa bem ao jogo tradicional Estrela Nova Cela. Muito popular durante anos no Brasil, atualmente, o jogo passa por um processo de “esquecimento” cultural, sobretudo nas manifestações culturais expressas pelas crianças e adolescentes.
Pode se dizer que há necessidade de sua reinserção social quando se considera os jogos tradicionais como um patrimônio cultural da humanidade. Além disso, também é importante para a que as crianças e adolescentes conheçam o jogo, aumentando seu conhecimento e repertório, reinterpretando e inserindo-o nesse mundo tecnológico atual que impera, entre outros, os jogos eletrônicos.
Como ocorre atualmente o esquecimento de alguns jogos tradicionais (jogo do elástico, bola de gude, bets, estrela nova cela, stop, alerta) destacam-se práticas orientada por aqueles que os conhecem, socializando para os demais por meio do ensino de como jogá-los, suas regras, variações e abrindo espaços para a reorganização no modo de ser desses mesmos jogos pelos novos praticantes. Entre as práticas sociais que podem reconstruir esses jogos com tais objetivos, destacam-se as aulas nas escolas de Educação Básica, especificamente, promovidas pela Educação Física.
Assim, a Educação Física por ser a área de conhecimento que assumiu historicamente o ensino do conteúdo Jogos, precisa contribuir com o ensino e aprendizagem da estrela nova cela. Nesse processo, ressalta-se a interação das gerações mais experientes que tinham esse jogo como prática cotidiana com as gerações que pouco ou nunca o vivenciaram.
O começo da reaprendizagem da estrela nova cela pode iniciar com a compreensão de que, em outros locais do Brasil, a forma de chamá-lo varia, pois, também é conhecido como “Pula Carniça”, “Carniça”, “Brincadeira do Toco”, “Pula Cela” entre outros.
Possível Origem
A identificação da origem das manifestações culturais é processo relevante para a sua compreensão enquanto construto humano, histórico, repleto de sentido e significados a partir das relações sociais estabelecidas pelos indivíduos na época de sua criação e as modificações ocorridas ao longo de suas práticas.
Os jogos tradicionais como manifestos culturais, possuem história, significados, sentidos diversificados, em que a falta de registros sobre suas gêneses impede a identificação de seu criador, do contexto e da época. A história da estrela nova cela é incompleta também nesse sentido.
Quem criou o jogo, qual foi o contexto, a data, as necessidades e objetivos para sua origem são mistérios que ainda não foram revelados. Infelizmente, diferente de alguns jogos tradicionais (amarelinha, bola queimada, ioiô etc.) que possuem versões possíveis de suas origens, na estrela nova cela nem versões existem.
Organização do jogo: regras, formatos e objetivos
A estrela nova cela é um jogo tradicional composto por fases, transcorridas por diferentes saltos efetivados pelos jogadores. Cada fase representa um tipo de salto diferente. Geralmente, os participantes saltam uns sobre os outros apoiando as mãos sobre as costas dos jogadores agachados, ou seja, "selando" as costas dos participantes.
Forma-se uma fila pelos jogadores, exceto um, deixando uma distância de cerca de 1,5 metros entre eles. Quem estiver fora da fila ficará agachado (como mostra a figura abaixo) com as mãos sobre os joelhos, sendo chamado de “toco”, A posição de toco será trocada quando algum jogador não conseguir passar de fase.
Quem ficar enfileirado começa saltando, um por vez, sobre a costa do toco, inciando as fases. Por se tratar de uma manifestação cultural que permite modificações significativas pelos próprios jogadores, as fases e seus nomes variam dependendo dos contextos em que é vivenciado. Na maioria das vezes, o primeiro jogador a saltar (primeiro da fila) anuncia qual será a fase a ser superadas por todos os jogadores.
Assim, em alguns locais podem existir fases que em outros são inexistentes, conhecidas por outros nomes, distribuídas em sequências distintas. Tradicionalmente, algumas fases são mais conhecidas do que outras, resistindo aos limites dos próprios contextos. Entre elas, destacam-se:
Estrela Nova Cela (Pula Carniça): O primeiro jogador passa pelo ‘toco’ e fala: “estrela novo cela”, seguido pelos outros que devem fazer o mesmo.
Bolinho/Saquinho de Arroz: Após saltar o toco os jogadores, um por vez, juntam-se a ele na mesma posição formando um grande toco. Essa fase geralmente é realizada para que o toco seja trocado pelo jogador que não conseguir saltar o “grande toco”.
Pula Sapo: É parecida com a fase bolinho de arroz; o toco inicia deitado no chão, o primeiro da fila salta-o e depois permanece na mesma posição ao seu lado. Em seguida vem os demais jogadores realizando a mesma ação. Aquele que não conseguir saltar os jogadores deitados troca de lugar com o toco.
Cartinha pra Vovó: Durante o salto os jogadores representam movimentos de escrita nas costas do ‘toco’.
Unha de Gavião: O apoio nas costas do toco é realizado com as unhas das mãos dos jogadores que saltam.
Pastelão Quente: É parecida com a fase unha de gavião, porém, ao invés dos jogadores utilizarem as unhas para se apoiarem nas costas do toco no momento do salto, eles utilizam as palmas das mãos abertas, como um tapa.
Salsichão Quente: Apenas o primeiro jogador salta o toco e fala “salsichão quente”. O mesmo jogador corre e se agarra em uma árvore. Os demais jogadores correm e agarram em suas costas. O último que chegar no “salsichão” é pego pelo toco para trocar de posição com ele. Essa é uma forma de se trocar quem ficará na posição de toco.
Cada Macaco no seu Galho: É parecida com a fase salsichão quente, apenas o primeiro jogador salta e diz: “cada macaco no seu galho”. Os demais correm procurando um lugar alto para subir, pois, o toco tentará capturar alguém antes dele subir. Se o toco conseguir, o jogador capturado passa a ser o toco. Essa é uma forma de se trocar quem ficará na posição de toco.
Levar o Burro para passear: O jogador salta e permanece nas costas do toco, sendo que ele o levará para uma passeada. Aquele que não conseguir subir nas costas do toco troca de lugar com ele.
As fases apresentadas representam apenas algumas de um grande repertório possível no jogo estrela nova cela. Por isso, no ensino da estrela nova cela incentiva-se que os aprendizes criem novas fases para que os demais vivenciem. A preservação cultural dos jogos, nesse caso, da estrela nova cela, passa muito pela reinterpretação que os novos jogadores atribuem quando jogam. Abaixo se visualiza uma fase criada por uma estudante no momento de aprendizado da estrela nova cela nas aulas de Educação Física em uma escola municipal em Cambé-PR no ano de 2016:
Motocão: Nessa fase criada pelos estudantes, a frente do toco fica um jogador (a) posicionado em pé com as mãos estendidas para trás. Outro jogador pula e permanece nas costas do toco segurando as mãos do jogador posicionado em pé. Após isso, o toco caminha com o jogador em suas costas segurando na cintura do jogador em pé a sua frente. Os braços daquele que estará em pé serão os "guidões" do motocão.
A partir disso, ressalta-se que as aulas de Educação Física são espaços privilegiados de ensino e aprendizado dos jogos tradicionais, destacando aqueles que aos poucos são esquecidos socialmente, como é o caso da estrela nova cela.
REFERÊNCIAS
Imagem Background: Ivan Cruz